Artigo Original: Curadorias ajudam a direcionar a navegação no mar de notícias | Observatório da Imprensa
A necessidade de selecionar, agregar e comparar diferentes fontes de informação não é nova. Axel Bruns, autor que cunhou o termo gatewatching em 2005, já observava esse movimento em blogs. O intuito era tentar minimizar os vieses de cada veículo ao comparar como era a cobertura de um mesmo tema em diferentes publicações.
Hoje as curadorias de notícias ajudam a filtrar as matérias mais relevantes em meio à grande quantidade de informações produzidas diariamente. Também centralizam reportagens com um recorte de tema específico e com isso proporcionam uma visão privilegiada da cobertura jornalística. Além disso, “a curadoria vem no intuito de ajudar a filtrar esse mar de informação, a partir de pessoas, grupos ou entendidas que já temos uma referência, uma confiança”, declara Mariana Ceci.
Mariana, atualmente aluna do Mestrado em Divulgação Científica e Cultural, é uma das cinco jornalistas nordestinas criadoras do Rede Cajueira, um projeto de curadoria de notícias do e sobre o Nordeste. Ela conta que a ideia surgiu do incômodo causado pela forma como notícias sobre o Nordeste eram tratadas na grande mídia. A situação era ainda mais delicada quando, trabalhando nas redações, percebia a atuação de jornalistas de grandes centros cobrindo notícias da região.
“Como se todo mundo que estivesse na cobertura diária fosse absolutamente incompetente para fazer qualquer coisa. Usavam as nossas fontes e pediam ajuda para fazer as matérias deles, no fim das contas usando os nossos recursos”, diz Ceci.
A seleção de notícias
Desde 2020, a Rede Cajueira já reuniu mais de 100 iniciativas de jornalismo independente da região e conta com mais de 7 mil inscritos na newsletter que é enviada a cada 15 dias. O trabalho, que é essencialmente voluntário, consiste em fazer uma varredura nos portais que a rede acompanha, buscando manualmente notícias mais relevantes. Assim, a rede consegue dar mais destaque a produções de qualidade produzidas no e sobre o Nordeste, evitando vieses e preconceitos comuns.
Há outras maneiras de monitorar essas notícias. No caso da rede Ressoa Oceano, a maior parte das reportagens chegam até a curadoria por meio de agregadores e buscadores alimentados com palavras-chave. O projeto tem como objetivo reunir matérias relacionadas aos objetivos e desafios da Década do Oceano. A responsável pela curadoria do Ressoa, Júlia Ramos (que foi aluna da Especialização em Jornalismo Científico), conta que usa palavras-chave como mar, litoral, ambiente marinho e zona costeira.
Ela também acompanha os sites para uma busca manual, além de assinar newsletters e outras curadorias. Os conteúdos vinculados são principalmente de grandes veículos, mas Ramos disse que estão em busca de agregar mais portais de jornalismo independente.
Os critérios de seleção passam pela relevância e qualidade das matérias. Assim como Mariana Ceci, Júlia Ramos destaca como esse trabalho tem a ver com a confiança dos leitores no processo de curadoria. “Uma coisa que a gente começou a fazer é esperar um pouco. Para que, mesmo que a notícia seja um pouco mais antiga, [divulgar] uma que tenha mais substância”, explica Ramos.
Outro ponto de atenção é para as fontes de informação usadas na notícia. Ramos conta que é comum as matérias citarem “um artigo” ou “um estudo” sem disponibilizar o nome da pesquisa, link de acesso e, por vezes, nem mesmo o nome do pesquisador. Essas informações acabam sendo importantes para análise da cobertura jornalística sobre o tema.
Essencialmente, o que as redes de curadoria fazem é reduzir o esforço das pessoas que querem se manter bem-informadas, mas não estão dispostas a se dedicar para encontrar as melhores notícias. Seja pelo tempo necessário, seja pela dificuldade em fazer esse filtro. Então, confiam nas redes e newsletters como a Cajueira e a Ressoa para fazer esse trabalho por elas.
Aprendizados da curadoria
A rede Ressoa Oceano acabou de entrar como ação parte de um programa reconhecido pela Década do Oceano da Unesco: entre 2021 e 2030, a entidade promove uma série de encontros e ações em defesa do oceano. Germana Barata, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e coordenadora da rede, explica que as décadas indicam temas que foram negligenciados e para os quais precisamos retomar a atenção. Segundo a pesquisadora, o oceano é a base da vida na terra e ainda assim “não tem centralidade na nossa história, na nossa vida e nem na educação”.
A equipe também produz conteúdos próprios, mas Germana Barata explica que a construção de uma comunidade de leitores em torno de um novo veículo é demorada. A proposta é que as produções que já existem sejam valorizadas e ressoadas, criando uma rede de comunicação. Por isso, as reportagens produzidas são publicadas por parceiros, como a Ciência Hoje e O Eco, que divulgou matérias da rede para mais de 70 mil leitores.
Ramos diz que o trabalho de curadoria contribui para a qualidade dessas reportagens. Segundo ela é possível ver que alguns temas se repetem, enquanto outros acabam não aparecendo. O que provoca na equipe uma sensação de que “alguém poderia estar falando disso. E aí a gente pode ser esse alguém”.
Mas a influência da curadoria vai além. “Ter mais experiência deixa a gente mais crítica com o que estamos lendo. Tanto para quando se escreve alguma coisa, quanto para notícias que vamos escolher para entrar de novo [no site]”, explica Ramos.
A curadoria também permite acompanhar e monitorar a desinformação sobre o tema. E como, às vezes, mesmo veículos de confiança propagam notícias falsas ou incompletas. São dados importantes para entender como se dá a comunicação sobre o oceano e podem ajudar a construir diretrizes mais eficientes para a cobertura do tema.