Há quem diga que o jornalismo de ciência é, antes de tudo, jornalismo. Se assumimos isso como verdadeiro, então por que seria necessário um curso de especialização em jornalismo científico? Quais são as particularidades que diferem a cobertura de ciência de outros temas como esportes ou economia? Essa foi uma das questões motivadoras para o documentário produzido como trabalho de conclusão de curso de Cristina Uchôa e Jennifer Zsürger, formadas na última turma da especialização em jornalismo científico do Labjor
A dupla ilustra bem o perfil heterogêneo do curso, que recebe alunas e alunos com formação em comunicação, mas também em diversas áreas das ciências. Uchôa é jornalista e advogada. Zsürger é química e educomunicadora. Ambas já atuavam com comunicação de ciência, a primeira no Núcleo de Estudos da Violência, na USP, e a segunda como professora e editora de conteúdos didáticos.
A procura pelo curso de especialização foi motivada por reflexões pessoais sobre o papel do jornalismo no mundo de hoje e também na perspectiva de aperfeiçoar o trabalho que já faziam. A realização do documentário foi uma forma de as alunas entenderem o que é o jornalismo científico e a atuação do Labjor na formação de profissionais dessa área.
Para o professor Ricardo Alexino, da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, o curso de especialização cumpre um papel importante de letramento em duas vias: cientistas entendem mais sobre o funcionamento e a dinâmica das mídias, enquanto jornalistas se aprofundam nas especificidades do fazer científico e de alguns cuidados importantes na cobertura dessa área.
O projeto Genoma — grande empreitada científica dos primeiros mapeamentos genéticos nos anos 1990 e 2000 — é um exemplo de destaque. O projeto impulsionou diversas áreas do conhecimento, da genética ao jornalismo científico. Simone Pallone, professora do Labjor e que fez parte da primeira turma da especialização, em 1999, cita como essa iniciativa catalisou a publicação de revistas especializadas em ciência no Brasil, como a Pesquisa Fapesp, em 1995.
Já Marie-Ann Van Sluys, que é bióloga e foi coordenadora do programa Mídia Ciência, também comenta no documentário como percebe falhas e dificuldades na comunicação dos avanços do projeto Genoma pela falta de conhecimento de jornalistas, que tinham dificuldade na adaptação do conteúdo, e dos cientistas, que não sabiam transmitir a mensagem de forma mais clara. Para Uchôa, um dos aprendizados do curso de especialização foi justamente entender a importância da educomunicação científica para os próprios cientistas. Zsürger afirma que a reflexão sobre o funcionamento das práticas jornalísticas e de comunicação a ajudou a desenvolver uma visão mais crítica sobre o papel da comunicação no processo científico.
No capítulo “Jornalismo Científico, uma proposta de conceitualização”, publicado no livro “Divulgação Científica e Cultural: 16 anos de um curso de pós-graduação” (Pontes Editores, 2023), os jornalistas Rafael Revadam e Simone Pallone também discutem como o jornalista de ciência deve se empenhar no cumprimento dos preceitos da investigação jornalística ao cobrir ciência. Segundo os autores, ouvir diferentes fontes e checar fatos são elementos importantes da apuração, mas que comumente são deixados de lado na prática do jornalismo científico, perpetuando uma visão de ciência intocável e que nunca erra. Para Revadam e Pallone, conhecer mais sobre a cultura científica é chave para evitar isso. O livro “Divulgação Científica e Cultural” reúne textos de egressos e professores do Programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural (PPG-DCC), parceria do Labjor com o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, criado em 2007.
O curso de especialização do Labjor se encontra nessa intersecção da comunicação com o fazer científico, contribuindo não só na prática jornalística cotidiana, mas entendendo também o jornalismo como ciência. Segundo a proposta do curso, a formação interdisciplinar facilita a mediação do conteúdo ao construir uma visão mais madura do funcionamento das instituições jornalísticas e científicas.
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As inscrições para o a XIV turma da Especialização em Jornalismo Cientifico foram prorrogadas até o dia 25 de abril.
O Curso de Especialização em Jornalismo Científico (uma parceria entre o Labjor, Instituto de Geociências e Instituto de Artes) foi pioneiro na formação de profissionais nessa área no Brasil. Marcos Barbai, atual coordenador da especialização, reforça que o curso conta com um corpo docente qualificado e interdisciplinar, oferecendo a jornalistas, professores(as), cientistas e pesquisadores(as) um ambiente rico de reflexão e de debate, na construção de agendas e espaços que visam caminhos para uma comunicação inovadora entre os campos das ciências, das artes e das tecnologias com a sociedade, nos desafios que vivemos no Brasil